quinta-feira, 30 de junho de 2011

A solidão

"DIZ-ME um jornalista filantropo que a solidão é má para o homem; e, em abono de sua tese, cita, como todos os incrédulos, palavras dos Padres da Igreja.
Eu sei que o Demônio é dado a frequentar os sítios áridos e que o Espírito do homicídio e da lubricidade se inflama prodigiosamente nos ermos. Mas talvez esta solidão só fosse um perigo para a alma ociosa e divagadoea que a povoa de suas paixões e de suas quimeras.
Certo é que um tagarela, cujo supremo prazer consiste em falar do alto de uma cátedra ou de uma tribuna, se arriscaria muito a tornar-se louco furioso na ilha de Robinson. Não exijo do meu jornalista as corajosas virtudes de Crusoé, mas peço-lhe que não incrimine os amantes da solidão e do mistério.
Há em nossas raças palradoras indivíduos que aceitariam com menor repugnância o suplício máximo, se lhes fosse permitido fazer do alto do cadafalso uma copiosa arenga, sem temer que os tambores de Santerre lhes cortassem intempestivamente a palavra.
Não os lastimo, porque adivinho que as suas efusões oratórias lhes proporcionam volúpias iguais às que outros encontram no silêncio e no recolhimento; porém os desprezo.
Desejo, antes de tudo, que o maldito jornalista me deixe divertir-me a meu gosto.
- Então o senhor não sente nunca - perguntou-me, com um tom nasal muito apostólico - a necessidade de compartir os seus prazeres?
Vejam lá o sutil invejoso! Ele sabe que eu desdenho os seus, e vem insinuar-se nos meus, o horrível desmancha-prazeres!
"A grande desgraça de não poder estar só!..." - diz algures La Bruyère, como para envergonhar os que procuram esquecer-se na multidão, temendo, sem dúvida, não se poderem suportar a si mesmos.
"Quase todas as nossas desgraças nos advêm de não termos sabido ficar em nosso quarto" - diz outro sábio, creio que Pascal, lembrando assim, na crédula do recolhimento, todos os insensatos que buscam a felicidade no movimento e numa prostituição a que eu poderia chamar fraternária, se quisesse falar a bela língua do meu século."

- BAUDELAIRE, Charles.

sábado, 11 de junho de 2011

O amor agora

Antes de qualquer divagação, é preciso frisar a importância da música de fundo necessária para que o leitor prossiga nesse pequeno texto sobre o amor: “Alma de Violinos”, por Raphael Rabello e Dino 7 Cordas. Após alguns segundos, precisamente os 20 primeiros, poderá ele enfim começar.

Desde pequeno, quando ouvia minha mãe dizer que me amava, e depois que respondia “eu também”, sempre me perguntei se aquele verbo em comum possuía de fato a mesma significação. Com meus amigos e minha primeira namorada, a questão permaneceu. Poderíamos de fato nos amar da mesma forma? Pessoas tão distintas: idades, sexo, gostos, aparências? Por que afinal utilizávamos a mesma palavra para designar o sentimento de um pelo outro se, afinal, éramos dois tão diferentes?

Poderíamos encontrar possíveis reações em comum. Uma vez ela disse: “morreria por você”. Sim, talvez me sentisse da mesma forma. Uma vontade inexplicável de estar ao seu lado, sentir seu cheiro, olhar, tocar, ter filhos. Porém, anos depois nos separamos. E o amor? Permaneceu, eu diria, mas já não era um mártir. Transformou-se? Em quê? A palavra era a mesma, o sentimento, porém, outro. Um amor saudoso? Quantos adjetivos seriam necessários para classificar as transformações e os tipos de amor?

Após a primeira desilusão amorosa, descobri que poderia amar objetos! Quão mais fácil isso me parecia! Amar um dia bonito, um céu azul, um vento gostoso... coisas que me pareciam estar sempre lá. Ah! Como seria feliz para sempre! Ficava horas a conversar com o mar. Tocava-o, mergulhava em suas ondas, flutuava e boiava, deixando-me levar com a maré. Seria aquele amor todo diferente do meu amor ao meu querido e velho pai; ou daquele ao meu caro professor do ensino primário que me ensinou a ler todos os poemas apaixonantes, ou até mesmo daquele à Oxum, madrinha de Candomblé? Sim, sentia que sim. Porém, até que ponto era possível distingui-los ou assimilá-los?

Não inventei a palavra e nem pretendo extingui-la. À quantas significações, pressões e desigualdades ela se remete! Conforta-me apenas saber que é possível abordá-la em diferentes situações e para objetos distintos. Quando pensei em escrever esse pequeno texto, era agonizante a necessidade de descrever cada reação, emoção e pensamento que as múltiplas utilizações de “amor” me provocavam.

Agora, resta perguntar: o amor é um apenas e em constante metamorfose? Existiriam diferentes amores mutantes? Ou seria um amor único com sucessivas ramificações e pequenas classificações adjetivais? Seja como for, sinto que um amor nos basta: aquele que nos abate e nos paralisa. Podem ser vários, em diferentes momentos. No presente, aquele que me apodera repetidamente, três minutos e oito segundos vezes o infinito, é aquele à essa música-inspiração do texto. Ela não possui a palavra amor em seu nome, e uma letra muito menos. Um som de dois violões pode provocar algo que eu chamaria de amor. Amor à música? Isso já não sei. Ao ouvi-la são tantos pensamentos... Pessoas passam pela memória: as que já se foram, as que estão e as que virão um dia. A natureza, claro, aqui ao lado: o pôr do sol está bonito como nunca. Até que ponto a música não o deixa ainda mais assim? Até que ponto ela não evoca sensações misteriosas e prazerosas que posso arriscar chamar de amor? Um amor a mim também seria possível colocar nessa lista. Será talvez um simples amor às notas e à harmonia sofisticada de dois mestres da música popular? As sensações a cada um desses pensamentos se enlaçam, se cruzam e entrecruzam, de forma que amo tudo e todos ao mesmo tempo. Assim, prefiro aproveitar esses meros três minutos e oito segundos para presenciar aquilo que gostaria que durasse para sempre.


-feito hoje, 11 de junho, ao pôr do sol.