terça-feira, 18 de agosto de 2009

É Proibido Sofrer

Arnaldo Jabor,
publicado em O GLOBO, na terça-Feira, 22 de Julho de 2008

"O Brasil está se defrontando com o absurdo de sua estrutura institucional. Esta explosão galáctica da crise entre polícia, política, judiciário, empresariado, estado e capital revela o tumor do absurdo nacional. Olho em volta e tenho de comentar o incompreensível, o indestrutível, o inexplicável, o inevitável, o incurável, o impossível. É desanimador. Deprimo, porque vivemos no Brasil uma dupla mensagem: tragédia nas notícias e gargalhadas nas revistas de celebridades. Dentro da paisagem tenebrosa, somos obrigados a ser felizes.
Hoje em dia é proibido sofrer. Temos de ''funcionar'', temos de rir, de gozar, de ser belos, magros, chiques, tesudos, em suma, temos de ter ''qualidade total'', como os produtos. Para isso, há o Prozac, o Viagra, os ''uppers'', os ''downers'', senão nos encostam como mercadorias depreciadas.
No entanto, a depressão tem grande importância para a sabedoria; sem algum desencanto com a vida, sem um ceticismo crítico, ninguém chega a uma reflexão decente. O bobo alegre não filosofa, pois, mesmo para louvar a alegria, é preciso incluir o gosto da tragédia. No pós-guerra, tivemos o existencialismo, o suicídio da literatura com gênios como Beckett e Camus ou o teatro do absurdo, o homem entre o sim e o não, entre a vida e o nada.
A infelicidade de hoje é dissimulada na alegria obrigatória. ''A depressão não é comercial'', lamentou um costureiro gay à beira do suicídio, mas que tinha de sorrir sempre, para não perder a freguesia.
O bode pós-moderno vem da insatisfação de estar aquém de uma felicidade prometida pela propaganda e pelo mercado. É impossível ser feliz como nos anúncios de margarina, é impossível ser sexy como nos comerciais de cerveja. Ninguém quer ser ''sujeito'', com limites, angústias; homens e mulheres querem ser mercadorias sedutoras, como BMWs, Ninjas Kawasaki. E aí, toma choque, toma pílula, toma tarja preta. Só nos resta essa felicidade vagabunda fetichizada em êxtases volúveis, famas de 15 minutos, ''fast fucks'', raves sem rumo.
O mercado nos satisfaz com rapidez sinistra: a voracidade, o tesão, o amor. E pensamos: ''E se não houvesse mais desejo? Eu posso escolher o filme ou música que quiser, mas, nessa aparente liberdade, ''quem'' me pergunta o que eu quero? A interatividade é uma falsificação da liberdade, pois ignora meu direito de nada querer. Eu não quero nada. Não quero comprar nada, não quero saber nada, quero ficar deprimido em paz.''
Estava neste ponto do artigo, quando Ananda Rubinstein, cientista política, me enviou um texto chamado Elogio da Melancolia, de Eric G. Wilson, da Universidade de Wake Forest. Veio a calhar. Com destreza acadêmica, ele aprofunda meus conceitos. Ele escreve:
''Estamos aniquilando a melancolia. Inventaram a ciência da felicidade. Livros de auto-ajuda, pílulas da alegria, tudo cria um ''admirável mundo novo'' sem bodes, felicidade sem penas. Isto é perigoso, pois anula uma parte essencial da vida: a tristeza.''
Ele continua:
''Não sou contra a alegria em geral, claro... Nem romantizo a depressão clínica, que exige tratamento. Mas, sinto que somos inebriados pela moda americana de felicidade. Podemos crer que estamos levando ótimas vidas simpáticas e livres, quando nos comportamos artificialmente como robôs, caindo no conto dos desgastados comportamentos ''felizes'', nas convenções do contentamento. Enganados, perdemos o espantoso mistério do cosmo, sua treva luminosa, sua terrível beleza. O sonho americano de felicidade pode ser um pesadelo. O poeta John Keats morreu tuberculoso, em meio a brutais tragédias, mas nunca denunciou a vida. Transformou sua desgraça em uma fonte vital de beleza. As coisas são belas, porque morrem - ele clamava. A rosa de porcelana não é tão bela como aquela que desmaia e fenece.
A melancolia, a consciência do tempo finito é o lugar de onde se contempla a beleza. Há uma conexão entre tristeza, beleza e morte. Só o melancólico cria a arte e pode celebrar a experiência do transitório resplendor da vida. A melancolia, longe de ser uma doença, é quase um convite milagroso para transcender o ''status quo'' banal e imaginar inéditas possibilidades de existência. Sem a melancolia, a Terra congelaria num estado fixo, previsível como metal. Deste modo, o mundo se torna desinteressante e morre. Todo mundo ficaria contente com o que lhe é dado (que, aliás, é o sonho do Mercado - a satisfação completa do freguês). Mas quando a gente permite que a melancolia floresça no coração, o universo, antes inanimado, ganha vida, subitamente. Regras finitas dissolvem-se diante de infinitas possibilidades. A felicidade torna-se pouco - passamos a querer algo mais: a alegria (''joy''). Mas, por que não aceitamos isso e continuamos a desejar o inferno da satisfação total, a felicidade plena?
A reposta é simples: por medo. A maioria se esconde atrás de sorrisos tensos porque tem medo de encarar a complexidade do mundo, seu mistério impreciso, suas terríveis belezas. Para fugir desta contemplação atemorizante, nos perdemos em distrações vãs e em um bom humor programado. Somos de uma natureza incompleta, somos de vagas potencialidades, e isso faz da vida uma luta constante em face do desconhecido. Usamos uma máscara falsa, sorridente, um disfarce para nos proteger do abismo. Mas, esse abismo é também nossa salvação. Ser contra a felicidade é abraçar o êxtase. A aceitação do incompleto é um chamado à vida. A fragmentação é liberdade.'' É isso aí.
A felicidade tem um pouco de tristeza."

sábado, 8 de agosto de 2009

Musica Viciante do Momento













Nosso Plano (Chuva de Cem) - Lula Queiroga


Sobre nós a chuva louca
Só de cédulas de cem
O carro aberto na avenida
Chuva de papel, parece sonho

Parecia um dia a mais na vida
Só eu e ela e nosso plano
Dinamite, fita crepe, durepox
Explode o carro forte
A gente deu sorte, baby
Só tinha cédula de cem

Sobre nós a nuvem louca
Chuva de cédulas, libélulas ao vento
Ela só me abraça e pensa
Vamos brindar este momento.
Vamos ter filé, guisado, surubim,
Do bom e do melhor prá beber e prá fumar
Um casal de fato de fino trato
Vamos ter um filho mulato.
E um chalé a beira mato

Sobre nós a noite preta cai
Sirenes giram e gritam na fuga
Eu disse a ela : aperte os olhos, nega
Aperta o cinto porque o mundo vai virar
Pneu cantou a mais de cem
Pneu cantou a mais de cem

E os olhos dela não abriram mais

Se eu não sei viver sem ela junto
Então, meu plano morreu
Luz que dói na vista
As luzes gritam
Vermelhas, azuis
Sobre nós somente a chuva
Sobre nós nem deus.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Poema do Dia

XLIII

"Antes o vôo da ave, que passa e não deixa rasto,
Que a passagem do animal, que fica lembrada no chão.
A ave passa e esquece, e assim deve ser.
O animal, onde já não está e por isso de nada serve,
Mostra que já esteve, o que não serve para nada.

A recordação é uma traição à Natureza,
Porque a Natureza de ontem não é Natureza.
O que foi não é nada, e lembrar é não ver.
Passa, ave, passa, e ensina-me a passar!"














- PESSOA, Fernando.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

As histórias em nossas vidas

"CAMPBELL: (...) Um de nossos problemas, hoje em dia, é que não estamos familiarizados com a literatura do espírito. Estamos interessados nas notícias do dia e nos problemas do momento. Antigamente, o campus de uma universidade era uma espécie de área hermeticamente fechada, onde as notícias do dia não se chocavam com a atenção que você dedicava à vida interior, nem com a magnífica herança humana que recebemos de nossa grande tradição - Platão, Confúcio, o Buda, Goethe e outros, que falam dos valores eternos, que têm a ver com o centro de nossas vidas. Quando um dia você ficar velho e, tendo as necessidades imediatas todas atendidas, então se voltar para a vida interior, se você não souber onde está ou o que é esse centro, você vai sofrer.

As literaturas grega e latina e a Bíblia costumavam fazer parte da educação de toda gente. Tendo sido suprimidas, toda uma tradição de informação mitológica do Ocidente se perdeu. Muitas histórias se conservavam, de hábito, na mente das pessoas. Quando a história está em sua mente, você percebe sua relevância para com aquilo que esteja acontecendo em sua vida. Isso dá perspectiva ao que lhe está acontecendo. Com a perda disso, perdemos efetivamente algo, porque não possuímos nada semelhante para pôr no lugar. Esses bocados de informação, provenientes dos tempos antigos, que têm a ver com os temas que sempre deram sustentação à vida humana, que construíram civilizações e enformaram religiões através dos séculos, tem a ver com profundos problemas anteriores, com os profundos mistérios, com os profundos limiares de travessia, e se você não souber o que dizem os sinais ao longo do caminho, terá de produzi-los por sua conta. Mas assim que for apanhado pelo assunto, haverá um tal senso de informação, de uma ou outra dessas tradições, de uma espécie tão profunda, tão rica e vivificadora, que você não quererá abrir mão dele.

MOYERS: Quer dizer que contamos histórias para tentar entrar em acordo com o mundo, para harmonizar nossas vidas com a realidade?"

CAMPBELL, Joseph. O Poder do Mito. com Bill Moyers.


livro mais lindo q existe!! (esteticamente) - contextualmente ainda não terminei... mas até agora recomendo.